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Apesar de a venda da semente da araucária ser permitida a partir de abril, é preciso ficar atento para não comprar produtos retirados da natureza antes da hora
Com o início do outono e os primeiros ventos mais frios, aparecem vários pontos de venda de pinhões, alimento tradicional no Sul do Brasil e que é a semente da araucária ou pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia). A preocupação, no entanto, está na colheita feita antes da hora, que gera prejuízos tanto para o consumidor, que leva para casa um produto de qualidade inferior, como para o meio ambiente, uma vez que interfere na manutenção da árvore característica da Floresta com Araucárias e de todo seu ecossistema.
Uma das alternativas para contornar o problema está nas mãos dos consumidores. De acordo com o biólogo e engenheiro agrônomo Jaime Martinez, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), o consumidor assume um papel essencial para a conservação da araucária, uma vez que pode definir o mercado. “Aceitando somente o pinhão maduro, a exploração fora de época tende a ser reduzida”, garante. A recomendação é ficar de olho na coloração da semente, que é mais clara, além de sua aparência ser bem mais leitosa quando colhida antes do tempo.
Prazo de validade
No Paraná e em Santa Catarina, a partir do primeiro dia de abril já é possível vender pinhões legalmente. O Rio Grande do Sul segue a portaria normativa nacional DC-20, que abre oficialmente a temporada a partir do de 15 de abril. A intenção dessas regulamentações é que não sejam colhidos e comercializados pinhões que ainda não estejam maduros.
Segundo Martinez, a portaria nacional tem boas intenções, mas não contempla as diferenças entre as variedades de araucárias e nem impede a prática de retirada de pinhas imaturas. Ele explica que as araucárias possuem períodos de maturação diferentes, sendo possível encontrar pinhas debulhadas de fevereiro até dezembro. Por conta dessas especificidades, é preciso ter atenção na coleta e no consumo, mesmo durante a época liberada legalmente.
“Muitos coletores se adiantam e removem a pinha ainda na árvore. O ideal é colher no solo os pinhões que realmente estão maduros”, comenta o biólogo. Além de afetar a germinação de novas plantas, a semente que não amadurece na araucária perde em sabor para a que foi colhida no tempo certo. Os animais que se alimentam do pinhão também são afetados, pois têm menos alimento disponível, gerando um efeito em cadeia.
Sobre a coleta do pinhão no tempo certo, Martinez afirma que a prática é um fator positivo no que diz respeito à conservação da Floresta com Araucárias. “Enquanto os produtores locais tiverem retorno econômico com o pinhão, eles vão assegurar a existência da araucária. Porém, para que a atividade seja sustentável, a coleta deve gerar em torno de 50% dos pinhões. Dessa forma, há sobra suficiente para as aves e outros animais que se alimentam da semente, e também para a germinação de novas plantas”, diz o biólogo.
Conservar o pouco que restou
Anos de degradação da Floresta com Araucárias e corte de seus pinheiros levaram esse ecossistema a uma situação crítica. Estima-se que resta apenas de 1 a 2% da cobertura florestal original no país. Da região do Sul do Brasil, local que tinha grande parte de sua extensão coberta por essa floresta, Santa Catarina foi o estado que mais conseguiu conservar o ecossistema, mesmo com o desmatamento no estado de quase 75% da área original. “Esses 24% que restaram formam a maior área preservada de Floresta com Araucárias no mundo”, ressalta Martinez.
Segundo ele, além do cuidado dos consumidores com a compra do pinhão maduro, outras estratégias complementares são fundamentais para promover a conservação dos remanescentes de Floresta com Araucárias. Entre elas estão a coibição do desmatamento ilegal e a agregação de valor à produção não madeireira, mantendo a floresta em pé.
Uma forma de agregar valor à floresta é a promoção de iniciativas que coloquem a araucária em evidência, como a Festa do Pinhão, que acontece em Lages (SC) e atrai milhares de pessoas em um evento cultural e gastronômico. O turismo ecológico também é um destaque para esse objetivo: o Festival do Papagaio-charão e do Papagaio-de-peito-roxo, que acontece durante os dias 21 e 24 de abril, reunirá em Urupema (SC) pesquisadores e observadores de aves de todo o Brasil. “A partir do fim dos anos 80, o papagaio-charão começou a migrar para o planalto serrano de Santa Catarina para encontrar alimento”, comenta Martinez. Ele ainda ressalta que essa mudança de comportamento aconteceu pela grande escassez da araucária no Rio Grande do Sul, habitat que era natural dessa espécie de papagaio.
Outro exemplo é a iniciativa Araucária+, desenvolvida desde 2013 pela Fundação Grupo Boticário e Fundação CERTI. A ação incentiva produtores a adotar um padrão sustentável para coleta do pinhão e produção de erva-mate, além de conectá-los a um mercado diferenciado formado por empresas que demandam insumos de origem sustentável, com informação e rastreabilidade, e que estejam associados à conservação. “O objetivo é aliar inovação à produção do pinhão e da erva-mate e, dessa forma, valorizar a conservação de ambientes naturais”, comenta Martinez.
*Jaime Martinez é membro da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.