Cerca de 60% de todo o transporte de cargas do Brasil passam pelas rodovias. De norte a sul, de leste a oeste, são elas que levam e trazem produtos e insumos seja para o comércio, a indústria ou os portos brasileiros. E essas estradas estão se desfazendo enquanto a água leva consigo cidades inteiras no Rio Grande do Sul, no rastro das enchentes que assolam o estado desde os últimos dias de abril.
Deslizamentos, pontes quebradas e pistas que cederam com a força da água isolaram uma série de cidades, deixando suas populações sem ter para onde ir. Rotas que eram comumente usadas para escoar a produção agrícola foram severamente atingidas, o que prejudica o transporte de cargas em todo o estado e também no restante do país. De acordo com um balanço divulgado pelo governo do estado na sexta-feira (10), são 170 pontos de bloqueio em 79 das rodovias estaduais. E há, ainda, os impactos nas rodovias federais que passam por ali.
Empresas do segmento logístico têm enfrentado dificuldades para atuar no estado, o que é um problema até mesmo para garantir a entrega das doações que chegam de todos os cantos do Brasil para as vítimas das enchentes. O CEO da Angel Lira, empresa de tecnologia para logística e gerenciamento de riscos nas estradas, Marcio Lira, explica que a infraestrutura precária é justamente um dos principais obstáculos para o transporte de cargas. “Estradas mal conservadas, portos congestionados e aeroportos saturados normalmente já resultam em atrasos, danos às mercadorias e custos adicionais”, pontua. Ele observa que a atual situação das estradas gaúchas é mais um dos desafios trazidos pelas condições climáticas devastadoras que atingiram o estado.
Economia deve sofrer com a recuperação dos trechos
Não é de hoje que a dependência econômica das rodovias é um problema para o país. Embora sejam responsáveis pelo escoamento da produção, apenas 15% das estradas brasileiras são pavimentadas. As informações são parte de um levantamento inédito realizado pela Fundação Dom Cabral. Longos trechos vitais para que esse escoamento seja eficiente seguem sem nenhum tipo de manutenção há vários anos. Isso faz com que o custo do transporte aumente significativamente.
O professor do MBA em Finanças e Controladoria da Universidade Positivo (UP) Hugo Meza lembra que a dependência brasileira das rodovias é um problema econômico. “Atrasos na cadeia de suprimentos causam escassez e aumento de preços. Os produtos perecíveis são perdidos, o que impacta o agronegócio. Além disso, a sobrecarga de infraestrutura alternativa exige investimentos adicionais. Por fim, pode haver redução do PIB devido à interrupção na logística e produção”, detalha.
Segundo estimado por autoridades estaduais e federais, recuperar as estradas gaúchas impactadas pelas enchentes deve custar R$ 2,5 bilhões. Mesmo assim, o especialista destaca a importância de fazer essa recuperação o quanto antes. Para ele, a pressa para consertar as estradas no Rio Grande do Sul é necessária para restabelecer o transporte de mercadorias e, com isso, o fluxo econômico, mitigar perdas agrícolas e industriais, estimular o crescimento econômico, atrair investimentos e manter o crescimento do PIB, reduzir o desemprego, melhorar a qualidade de vida, manter a competitividade internacional e, até mesmo, prevenir futuras calamidades. “A reconstrução das rodovias oferece a oportunidade de criar uma infraestrutura mais resiliente, capaz de suportar melhor futuros desastres naturais, minimizando os impactos econômicos e sociais. Investir agora em uma infraestrutura robusta pode reduzir custos futuros de manutenção e reparos, evitando despesas maiores em longo prazo”, detalha.
Condições climáticas e geográficas são fatores que costumam impactar o transporte de cargas, como ressalta Lira. “O Brasil é um país vasto, com uma variedade de condições que têm influência sobre o transporte de cargas. Temos desde regiões sujeitas a enchentes e deslizamentos de terra até áreas remotas de difícil acesso. As estratégias de planejamento e mitigação de riscos devem considerar estes fatores não apenas neste momento, mas em toda e qualquer operação”, completa.