A rejeição ao rei Charles III e as dificuldades pós-pandêmicas, pós-saída da zona do Euro e com as imposições russas em relação ao fornecimento de gás colocam em risco a monarquia britânica.
Aos 73 anos, o herdeiro é o mais velho a assumir o trono, ocupado durante 70 anos por sua mãe, a rainha Elizabeth II, dona de uma reputação e aprovação interna e externa quase unânimes.
O mesmo não se pode dizer da família real, que teve reputações manchadas e relacionamentos tensos, incluindo alegações persistentes de racismo e o afastamento da vida pública do Reino Unido do irmão de Charles, Andrew, devido a um escândalo de abuso sexual.
Nos 70 anos de reinado, Elizabeth II permaneceu neutra politicamente, um feito bastante difícil para quem atravessou grandes crises econômicas mundiais, pragas, pandemias e guerras, tendo nomeado nada menos que 15 primeiros-ministros.
“Nesses 70 anos, a rainha construiu uma imagem que se confundiu com a da própria monarquia. Ao mesmo tempo, o príncipe Charles envolveu-se em diversos episódios que diminuíram a sua própria imagem, como os escândalos ligados a Lady Diana, o relacionamento extraconjugal com a atual esposa, Camila, a relação com os filhos, a própria postura apática e distante e a falta de carisma”, lembra o doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo, Daniel Medeiros.
A verdade é que o reinado de Charles III, cuja vida foi repleta de controvérsias, é agora o argumento mais forte para acabar com a monarquia.
Commonwealth
O Reino Unido é a cabeça de um grupo de 56 ex-colônias, chamado de Commonwealth. De todos, 14 países, além da própria Grã-Bretanha, escolheram manter o rei como seu chefe de Estado.
Porém, com a troca de liderança, alguns desses países começaram a repensar sua ligação com o Reino Unido e questionar a necessidade de se ter um monarca que vive distante dos problemas locais.
Com a morte de Elizabeth II, ex-colônias do Reino Unido, como Jamaica, e Antígua e Barbuda, começaram um movimento que pode tirar a família real da liderança de seus países. O primeiro-ministro de Antígua e Barbuda já declarou que, dentro de três anos, o país realizará um referendo sobre se tornar uma república e remover o rei Charles III da chefia de Estado.
Para o doutor em Educação Histórica, Daniel Medeiros, a monarquia, como regime político, não tem mais sentido a não ser como lembrança de um passado glorioso. “A rainha Elizabeth soube encarnar essa figura, seja quando mocinha, quando foi motorista de caminhão na Segunda Guerra e, depois, quando assumiu o trono, ela se comportou de maneira exemplar, quase se confundindo com a própria instituição”, ressalta. “Ela soube agir, muitas vezes contrariando os interesses da própria família, para não contaminar o papel institucional que exercia. Ela entendia tudo sobre a liturgia do cargo e colocou a coroa acima de todos os interesses pessoais”, completa Medeiros.
Pontos a favor
Charles III terá o desafio de liderar uma monarquia mais igualitária e modernizadora, tentando se adaptar a uma sociedade em rápida mudança, mantendo as tradições que dão à instituição seu fascínio.
Preparado desde o nascimento para ser rei um dia, Charles Philip Arthur George é o primeiro herdeiro a ter um diploma. Ele também está à frente de seu tempo em áreas como as mudanças climáticas.
Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, realizada na Escócia em 2021, o presidente dos EUA, Joe Biden, elogiou a liderança de Charles. Em uma entrevista de TV, o então príncipe de Gales afirmou que levantava essa bandeira porque sempre se importou com as próximas gerações.
“Ele é uma pessoa motivada, que, sem dúvida, quer fazer o bem, mas não entende que as consequências de muitas de suas ações causam muitos problemas”, disse o biógrafo Tom Bower. A instituição de caridade que Charles III fundou há quase 50 anos, Prince’s Trust, já ajudou mais de um milhão de jovens desempregados e desfavorecidos.
Transição
Para o historiador Daniel Medeiros, a morte da rainha implica o fim de uma era. “Vai ser difícil que a monarquia consiga repetir com Charles III esse papel. Talvez a saída seja acelerar a transmissão do cargo para o seu filho, William, que já vem sendo preparado para ser realmente aquele que pode modernizar a monarquia e, quem sabe, mantê-la em alta na Inglaterra, na Europa e no mundo”, finaliza.