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O amplo conjunto de ações impostas em 2019 por governantes brasileiros no sentido de fragilizar a proteção ao meio ambiente não tem paralelo na história. Mesmo antes de assumir o cargo de presidente da República, o candidato Jair Bolsonaro já cumpria uma agenda de desmoralização das instituições públicas e privadas responsáveis pela proteção do patrimônio natural, assumindo explicitamente e de forma bastante truculenta o papel de inimigo do meio ambiente.
A virulência estabelecida nos últimos meses representa um excesso capaz de gerar reações até aqui inimagináveis. Como exemplo, ex-ministros da agricultura tidos como aliados do desmatamento, como Kátia Abreu e Blairo Maggi, fazerem críticas contundentes ao abandono de uma política ambiental minimamente adequada em nosso País. Mesmo que não seja possível descolar o agronegócio do perfil apresentado pela atual gestão federal, é flagrante o reconhecimento até de setores mais radicais, voltados ao desenvolvimento a qualquer custo, a existência de uma gestão ímproba e altamente prejudicial, não só em relação ao meio ambiente e às questões sociais, mas também colocando em risco a economia.
As consequências econômicas aparecem com um amplo encadeamento de anúncios para estabelecer restrições ao Brasil. Não foram poucas, nem de cunho irrelevante. Ao contrário, o comemorado acordo do Mercosul com a comunidade europeia, por exemplo, pavimentado para ser assinado muito em breve, sofre uma retaliação de muitos países e o processo regride.
Acabamos de sofrer com incêndios em áreas naturais em todo o País, com ênfase no Cerrado e na Amazônia, decorrentes de estímulos provocados pelo governo federal. A faísca suficiente para colocar fogo no palheiro foi encadeada pelo próprio presidente da República, num ato de inconsequência que beira a sandice. Aos que discordam dessas afirmações cabe confrontar os números, que não deixam dúvidas. Vivemos um grande aumento da exploração madeireira ilegal, um grande aumento dos incêndios em áreas naturais e a sintomática diminuição proposital de autos de infração dos órgãos ambientais, como o Ibama, nas regiões afetadas.
Vivemos em um período de desmonte que acarreta perdas incalculáveis. Estamos ainda mais vulneráveis a catástrofes ambientais pela ausência de condições mínimas de enfrentamento, justamente pelo fato de os órgãos de proteção ao meio ambiente brasileiro estarem sofrendo esse processo de desmonte sistemático e proposital. Isso está impedindo as ações de controle que já eram bastante limitadas.
Não bastasse a degradação desmedida ligada a destruição de áreas naturais na Amazônia, ao longo dos últimos dois meses um enorme derramamento de petróleo acarreta um processo de poluição sem precedentes na região costeira do Nordeste brasileiro – até aqui atingindo mais de um quarto de toda a nossa extensa região costeira. A contaminação abrange seriamente mais de 300 praias, além de estuários, foz de vários rios, manguezais e áreas de corais. Sem planos de contingência em condição de serem efetivados e sem um diagnóstico consistente sobre a origem desse derramamento, sofremos passivamente com a perda de divisas com o turismo e incorporamos em nosso currículo mais uma catástrofe ambiental de dimensões extraordinárias. O maior desastre ambiental já ocorrido no País, ao que tudo indica.
As inúmeras práticas voltadas ao desleixo para com a natureza e com a própria população brasileira não são suficientes para acobertar uma atitude na direção inversa, proporcionada nada menos do que por um político do PSL, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés. Dias atrás ele encaminhou uma proposição à Assembleia Legislativa que estabelece uma graduação na cobrança do ICMS na compra de agrotóxicos utilizados no Estado. Ou seja, o valor do ICMS imputado decresce proporcionalmente à toxicidade do agrotóxico comercializado.
A partir de 2020, uma vez que seja aprovada, esta providência simples e objetiva permitirá a implantação de uma política voltada à diminuição paulatina no uso de agrotóxicos, o que evidentemente faz parte de uma agenda positiva apoiada pela maioria da população. Discordâncias à parte vindas do setor que enxerga a medida como um ataque contra o agronegócio. Não obstante as resistências esperadas, o governador afirma que o exemplo de Santa Catarina é uma ação necessária e que precisa ser implantada em todo o território nacional.
A atitude corajosa e responsável do governador de Santa Catarina não está apenas proporcionando uma oportunidade para que a população do seu Estado seja menos impactada pelo uso dos agrotóxicos. Ele está acenando para um maior impulso para o mercado de orgânicos e para a busca de tecnologias mais amigáveis para os plantios de grande escala, com o uso de venenos menos tóxicos, assim como já ocorre na maioria dos países mais desenvolvidos do mundo.
Mais ainda, pelas circunstâncias sombrias e de falta de perspectivas na qual estamos chafurdados, a mensagem do governador Carlos Moisés para todos os brasileiros é muito direta: ele nos mostra que apenas com uma postura reta e comprometida com o bem comum e com o interesse público é que conseguiremos desenvolver nosso País. Enfim, algo a se comemorar em 2019.
*Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).