Gestão Hospitalar na pandemia: dores e conquistas de quem vive no olho do furacão

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*Por Rogério Fraga

Jamais esqueceremos o ano de 2020. A vida de todos foi alterada abruptamente. As empresas precisaram se adaptar ao home office e descobrir novas formas de entregar produtos e serviços, escolas aceleraram o processo de ensino a distância, que ainda era distante para muitas delas, e por aí vai… Mas essas práticas são mais difíceis de serem implantadas na área da assistência médica. Acostumados com consultas presenciais, tivemos a entrada da Telemedicina, que nos ajudou a chegar na casa das pessoas sem que elas precisassem ir ao hospital. Mas, o contato com o paciente, na maioria das vezes, é imprescindível – ainda mais quando falamos em um ambiente hospitalar. Mas, nos adaptarmos à nova doença (e à nova realidade que ela impõe) foi nosso maior desafio.

Para a gestão, uma preocupação permanente foi com os colaboradores. O primeiro passo foi mapear o chamado ‘grupo de risco’ e afastar esses profissionais das atividades. Desse grupo, apenas uma parcela pequena tem condições de realizar o trabalho remoto – quase nenhum ligado diretamente ao cuidado com os pacientes. Em poucos dias, foi necessário um remanejamento de profissionais e a elaboração de um novo fluxo de atendimento. A equipe precisou ser treinada para o atendimento de uma doença que não conhecíamos. 

Novos profissionais foram contratados e treinados. Alguns, infelizmente, acabaram infectados pelo novo coronavírus e precisaram ser afastados. Nesses casos, o afastamento é de, no mínimo, 15 dias. A complexidade dos casos, a sobrecarga e a tensão constante também acabam levando outros colaboradores a pedirem desligamento. É praticamente impossível substituir esses profissionais na mesma velocidade. Aliás, gente especializada para atender casos de Covid-19 está cada vez mais escassa e o processo de contratação e treinamento é demorado, já que deve ser feito com o máximo cuidado. Estamos falando da vida de milhares de pessoas que todos os dias chegam aos hospitais em busca de assistência.

Quando o vírus parecia dar uma trégua, as pessoas se sentiram mais confiantes para sair de casa e as restrições impostas pelos governos ficaram mais brandas. Mas, infelizmente, o que vimos ao longo desses 12 meses é que, quando menos esperamos, tudo recomeça. É um looping infinito de stress e pressão extremas. Que só acabará quando uma parcela significativa da população for imunizada. 

Talvez pelo excesso de confiança de muitos, que deixam de usar  máscaras e higienizar constantemente as mãos, ou por cansaço do isolamento e distanciamento social, estejamos com tamanha dificuldade para controlar essa doença. Com as novas cepas do vírus,os casos de reinfecção aumentaram. Duas semanas após feriados prolongados ou momentos de recesso, hospitais voltam a ficar lotados, cirurgias eletivas são canceladas, leitos de unidade de terapia intensiva ficam lotados e a escassez de profissionais reaparece. 

Ainda bem que a ciência tem conseguido dar respostas rápidas sobre o novo coronavírus. Profissionais que antes se dedicavam apenas ao cuidado dos pacientes, se desdobraram para dar a sua contribuição para as pesquisas, que agora continuam tão relevantes e importantes como no início da pandemia. A cada descoberta, um novo sopro de esperança, assim como novos treinamentos e novas práticas de cuidado implementadas. 

Em menos de 12 meses, foram criadas vacinas, mas, infelizmente, a capacidade de produção é pequena se comparada à demanda. Ainda precisamos de calma, resiliência e cuidado. Falta muito para termos o ‘efeito rebanho’ e ficarmos minimamente protegidos. A máscara, o álcool em gel e o distanciamento devem continuar fazendo parte do cotidiano das pessoas por um bom tempo. Assim como a dedicação dos profissionais nos hospitais devido à complexidade dos casos. Muito se aprendeu sobre o novo coronavírus e mais ainda sobre a força e a capacidade de adaptação dessas equipes. A integração desses profissionais, de tantas especialidades, e a união de pesquisa e prática são os alicerces que devem nos fazer seguir ao longo dos próximos meses. 

Olhando para trás, vemos o quanto já avançamos e, ao mesmo tempo, lamentamos por ainda não estarmos onde gostaríamos. São as dores e as conquistas de quem está vivendo a pandemia de dentro, no olho do furacão.

* Rogério Fraga é médico urologista e gerente técnico do Hospital Marcelino Champagnat.

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