O homeschooling está entre as prioridades do atual governo e deve ser votado, ainda neste ano, se ganha ou não a categoria de modalidade de ensino no Brasil. Esse modelo confere a permissão aos responsáveis de não matricular seus filhos em escolas públicas ou particulares e assumir a responsabilidade por orientar os estudos em casa. Mesmo sem uma lei que o regulamente, estimam-se cerca de 15 mil estudantes cujas famílias optaram pelo ensino domiciliar, sob o argumento de que os filhos estariam mais seguros em casa, dos pontos de vista físico e psicológico. Essas famílias questionam a qualidade do trabalho em sala de aula e respaldam a sua decisão em convicções ideológicas e religiosas. A pergunta que fica é: até quando esses estudantes terão que ficar “protegidos” em casa?
O trabalho da escola é construído na premissa de que somos seres sociais por natureza e, como tal, precisamos conviver com gente, de preferência, bem diferente da gente. Essa diversidade – além de representar um fato: somos únicos – é também a maior riqueza de uma nação civilizada, pois ajuda a compreender e respeitar as diferenças, como características do ser humano. Se somos seres plurais, como exercitar a cidadania sem privilegiar o espaço coletivo da escola? Isso não significa que a escola não precise melhorar. Mas daí a não reconhecer o valor social da escola é, no mínimo, desumano – para não dizer injusto – com as novas gerações.
Se lançarmos um olhar para o mundo do trabalho, teremos ainda mais elementos para defender a escola. Afinal, para operar dignamente na vida profissional contemporânea, são necessárias muitas habilidades para além das cognitivas. Hoje, é consenso que a maior parte das demissões acontecem por falta de capacidade empática, de cooperação e de cocriação. Não nascemos sabendo operar dessa forma, precisamos aprender. E é para isso que os espaços de convivência em grupo e a pluralidade de experiências cognitivas, sociais, culturais e afetivas – que a escola proporciona – são ricas oportunidades para administrar alegrias e frustrações entre pares e professores e avançar no processo de humanização.
Se parássemos por aqui já teríamos argumentos suficientes. Porém, além de tudo isso, a escola é um dos mais importantes canais de denúncias, nos conselhos tutelares, de abusos por pais, mães e responsáveis contra a criança e o adolescente. São crimes que podem acabar ficando velados no espaço da família, visto que o Ministério da Educação e suas secretarias já encontram dificuldade de fiscalizar adequadamente o funcionamento das escolas – imagine, então, assumir a fiscalização em domicílios, aprovar e avaliar planos pedagógicos individuais.
Quando de maneira rasa e simplista se propõe comparação com países que implantam a política de homeschooling, é necessário considerar o valor que a educação formal representa para essas famílias, as quais, em sua maioria, investem recurso muito superior ao que investiria se seu filho estivesse em uma escola convencional. Cada vez que ampliamos o escopo de uma política pública e permitimos a escolha, antes é necessário avaliar o discernimento de quem pode escolher, entendendo que a alienação da sociabilidade compromete inexoravelmente o processo civilizatório.
*Acedriana Vicente Vogel é diretora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.