Audiência no STF abre espaço para contestação da validade da nova lei aprovada em 2012
Na próxima segunda-feira, 18 de abril, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), realiza em Brasília audiência pública sobre o novo Código Florestal Brasileiro. A lei foi aprovada em 2012, mas ainda recebe críticas por flexibilizar normas ambientais.
Entre os assuntos que serão debatidos com representantes de vários setores estão pendências causadas pelas mudanças que o novo código introduziu e que são alvo de contestações na justiça. São exemplos alterações nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), redução da Reserva Legal, anistia para quem promoveu degradação ambiental e possibilidade de compensação entre áreas diferentes – até em outros estados e biomas.
De acordo com o médico veterinário Clóvis Borges – diretor-executivo da Sociedade de Proteção da Vida Selvagem (SPVS) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) – a origem de todos esses problemas está no fato de que a mudança do código foi feita sem consulta à sociedade, para atender o interesse setorial ruralista. “Não podemos permitir a continuidade de uma legislação que prejudique tão seriamente toda a sociedade, em detrimento dos interesses de uma pequena parcela da população”, afirma Borges.
Direito Ambiental
Para o advogado Marcelo Dantas, membro da RECN e especialista em Direito Ambiental há 20 anos, a audiência pública tem importância histórica. “Apesar de não ser a primeira iniciativa nesse sentido do STF, talvez seja a mais relevante. O Código Florestal tem abrangência nacional e afeta todos os ambientes naturais brasileiros e por isso essa audiência pública ganha tanta notoriedade”, comentou.
Dantas explica que existem quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) no STF questionando dispositivos do novo código. Também prevê que a audiência pública possa desencadear ainda este ano o julgamento dessas ações e dar um ponto final nos litígios.
O advogado explica que a análise deverá levar em conta questões gerais. Isto é, a decisão terá de passar inevitavelmente pelo reconhecimento da legalidade do novo código como um todo, ou sua total inconstitucionalidade – o que, neste caso, levaria à aplicação do antigo código, de 1965, e suas subsequentes alterações. “O que está em discussão nas Adins é se vale o princípio da proibição do retrocesso ecológico ou não. Se o STF entender que esse princípio é constitucional e foi ofendido, ele acaba com a lei”.
“Perdão” a quem desmatou no passado
Entre as alterações no Código Florestal feitas em 2012 está a anistia a crimes ambientais cometidos até 22 de julho de 2008. “Essa medida desestimula o cumprimento da lei. Quem sempre cumpriu a legislação, ao ver o outro descumprir, pode deixar de segui-la”, opina o biólogo Marcelo Aranha, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da RECN.
Segundo ele, em algumas bacias na região Sul e Sudeste, a anistia praticamente torna inviável a recuperação das APPs nas encostas, ou seja, persistirão os deslizamentos nessas áreas durante as chuvas fortes, levando populações urbanas e rurais a sofrer prejuízos.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) – órgão oficial vinculado ao Ministério do Planejamento – só em relação à anistia, cerca de 30 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa degradadas deixarão de ser recuperados no país. Isso pode inviabilizar o compromisso do Brasil de restaurar e reflorestar pelo menos 12 milhões de hectares até 2030, como parte de sua contribuição ao mundo no enfrentamento à mudança climática.
Descaracterização de APP e Reserva Legal
Outros questionamentos são os critérios empregados para as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal, como a contemplação da primeira como integrante da porcentagem de Reserva Legal em uma propriedade.
Em relação às APPs, entre outros pontos, a nova legislação ainda reduziu e descaracterizou aquelas que estão nas margens dos rios. Ademais, não há previsão de proteção à mata ciliar que circunda os cursos d’água efêmeros, que surgem após períodos de chuva. “Dessa forma, aumentam-se cada vez mais as possibilidades de utilização da terra e restringe-se a capacidade do meio ambiente regular seus ciclos e tomar seu curso. De todo modo, é o que dita a lei em vigor”, comenta Dantas.
Na Reserva Legal, o proprietário poderá fazer a recomposição a partir do cultivo de monoculturas. Até 50% dessa área a ser recomposta poderá conter espécies exóticas, o que, segundo Aranha, representa um sério risco para o ecossistema natural da região, que pode ser impactado negativamente por uma espécie agressiva.
Outro problema do novo código é que propriedades de até quatro módulos fiscais ficam isentas da reserva legal. “A medida levará naturalmente a um processo de fracionamento das propriedades, para que cada uma de suas partes tenha isenção de reserva legal”, afirma Aranha.
Falta de critérios em compensações
Os critérios de compensação de áreas degradadas também chamam a atenção. O novo código permite a compensação de uma área desmatada em qualquer ponto do país, criando um cenário de disparidade entre regiões que vão contar com esse tipo de serviço e outras, que não vão precisar de recuperação. Pelo antigo código, a recuperação deveria acontecer na mesma bacia hidrográfica, com o objetivo prático de reequilibrar ambientalmente o que havia sido perdido.
Borges cita um exemplo de como isso poderia afetar o estado onde ele vive, o Paraná. “Onde sequer houve espaço para uma discussão sobre a versão estadual do Código Florestal, permite-se compensar 100% do déficit atual nas áreas da Serra do Mar, ou mesmo em algum ponto fora do Paraná”, diz. Com isso, pode-se deixar a região de Londrina, no norte do Paraná, praticamente sem cobertura de vegetação nativa.
“Recebe-se, assim, autorização legal para estabelecer regiões sem vegetação nativa representativa para garantir a mínima resiliência natural e serviços ecossistêmicos”, alerta Clóvis. Ele explica que isso afeta o equilíbrio climático, a população e a economia local – incluindo aí as próprias atividades agropecuárias que são altamente dependentes dos serviços prestados pela natureza, como produção de água, formação de solos e polinização.
* Clovis Borges, Marcelo Dantas e Marcelo Aranha são membros da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira.
Entre os assuntos que serão debatidos com representantes de vários setores estão pendências causadas pelas mudanças que o novo código introduziu e que são alvo de contestações na justiça. São exemplos alterações nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), redução da Reserva Legal, anistia para quem promoveu degradação ambiental e possibilidade de compensação entre áreas diferentes – até em outros estados e biomas.
De acordo com o médico veterinário Clóvis Borges – diretor-executivo da Sociedade de Proteção da Vida Selvagem (SPVS) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) – a origem de todos esses problemas está no fato de que a mudança do código foi feita sem consulta à sociedade, para atender o interesse setorial ruralista. “Não podemos permitir a continuidade de uma legislação que prejudique tão seriamente toda a sociedade, em detrimento dos interesses de uma pequena parcela da população”, afirma Borges.
Direito Ambiental
Para o advogado Marcelo Dantas, membro da RECN e especialista em Direito Ambiental há 20 anos, a audiência pública tem importância histórica. “Apesar de não ser a primeira iniciativa nesse sentido do STF, talvez seja a mais relevante. O Código Florestal tem abrangência nacional e afeta todos os ambientes naturais brasileiros e por isso essa audiência pública ganha tanta notoriedade”, comentou.
Dantas explica que existem quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) no STF questionando dispositivos do novo código. Também prevê que a audiência pública possa desencadear ainda este ano o julgamento dessas ações e dar um ponto final nos litígios.
O advogado explica que a análise deverá levar em conta questões gerais. Isto é, a decisão terá de passar inevitavelmente pelo reconhecimento da legalidade do novo código como um todo, ou sua total inconstitucionalidade – o que, neste caso, levaria à aplicação do antigo código, de 1965, e suas subsequentes alterações. “O que está em discussão nas Adins é se vale o princípio da proibição do retrocesso ecológico ou não. Se o STF entender que esse princípio é constitucional e foi ofendido, ele acaba com a lei”.
“Perdão” a quem desmatou no passado
Entre as alterações no Código Florestal feitas em 2012 está a anistia a crimes ambientais cometidos até 22 de julho de 2008. “Essa medida desestimula o cumprimento da lei. Quem sempre cumpriu a legislação, ao ver o outro descumprir, pode deixar de segui-la”, opina o biólogo Marcelo Aranha, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da RECN.
Segundo ele, em algumas bacias na região Sul e Sudeste, a anistia praticamente torna inviável a recuperação das APPs nas encostas, ou seja, persistirão os deslizamentos nessas áreas durante as chuvas fortes, levando populações urbanas e rurais a sofrer prejuízos.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) – órgão oficial vinculado ao Ministério do Planejamento – só em relação à anistia, cerca de 30 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa degradadas deixarão de ser recuperados no país. Isso pode inviabilizar o compromisso do Brasil de restaurar e reflorestar pelo menos 12 milhões de hectares até 2030, como parte de sua contribuição ao mundo no enfrentamento à mudança climática.
Descaracterização de APP e Reserva Legal
Outros questionamentos são os critérios empregados para as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal, como a contemplação da primeira como integrante da porcentagem de Reserva Legal em uma propriedade.
Em relação às APPs, entre outros pontos, a nova legislação ainda reduziu e descaracterizou aquelas que estão nas margens dos rios. Ademais, não há previsão de proteção à mata ciliar que circunda os cursos d’água efêmeros, que surgem após períodos de chuva. “Dessa forma, aumentam-se cada vez mais as possibilidades de utilização da terra e restringe-se a capacidade do meio ambiente regular seus ciclos e tomar seu curso. De todo modo, é o que dita a lei em vigor”, comenta Dantas.
Na Reserva Legal, o proprietário poderá fazer a recomposição a partir do cultivo de monoculturas. Até 50% dessa área a ser recomposta poderá conter espécies exóticas, o que, segundo Aranha, representa um sério risco para o ecossistema natural da região, que pode ser impactado negativamente por uma espécie agressiva.
Outro problema do novo código é que propriedades de até quatro módulos fiscais ficam isentas da reserva legal. “A medida levará naturalmente a um processo de fracionamento das propriedades, para que cada uma de suas partes tenha isenção de reserva legal”, afirma Aranha.
Falta de critérios em compensações
Os critérios de compensação de áreas degradadas também chamam a atenção. O novo código permite a compensação de uma área desmatada em qualquer ponto do país, criando um cenário de disparidade entre regiões que vão contar com esse tipo de serviço e outras, que não vão precisar de recuperação. Pelo antigo código, a recuperação deveria acontecer na mesma bacia hidrográfica, com o objetivo prático de reequilibrar ambientalmente o que havia sido perdido.
Borges cita um exemplo de como isso poderia afetar o estado onde ele vive, o Paraná. “Onde sequer houve espaço para uma discussão sobre a versão estadual do Código Florestal, permite-se compensar 100% do déficit atual nas áreas da Serra do Mar, ou mesmo em algum ponto fora do Paraná”, diz. Com isso, pode-se deixar a região de Londrina, no norte do Paraná, praticamente sem cobertura de vegetação nativa.
“Recebe-se, assim, autorização legal para estabelecer regiões sem vegetação nativa representativa para garantir a mínima resiliência natural e serviços ecossistêmicos”, alerta Clóvis. Ele explica que isso afeta o equilíbrio climático, a população e a economia local – incluindo aí as próprias atividades agropecuárias que são altamente dependentes dos serviços prestados pela natureza, como produção de água, formação de solos e polinização.
* Clovis Borges, Marcelo Dantas e Marcelo Aranha são membros da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira.