Ciência no espectro: é possível mudar a rota de desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida dos autistas?

Natalie Brito Araripe*

Cada vez mais comum, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) não tem cara, nem cura. A condição neurológica afeta milhões de pessoas ao redor do globo, 1 a cada 36 crianças para ser mais exata, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. O aumento no número de casos não é moda nem invenção moderna, está ligado a maior divulgação sobre o transtorno e diferenças recentes nos diagnósticos. E se eu te disser que o maior problema que temos hoje não reside na prevalência do TEA, e sim, nas barreiras colocadas pela sociedade? Veja, além do autista precisar lidar com os próprios desafios, sofre com olhares capacitistas da sociedade. Um preconceito que limita a forma como vemos e o que achamos que essas pessoas são capazes. Embora compartilhem traços em comum, cada sujeito é único, tanto em suas dificuldades quanto em suas qualidades. Até porque o autismo é uma neurodivergência e não uma sentença. E todos anseiam por expressar seu potencial sem limitações impostas por rótulos.

Ao passo que a compreensão sobre o autismo aumenta, surgem ferramentas de suporte para pessoas no espectro e suas famílias. Uma dessas ferramentas é a ABA, ou Análise do Comportamento Aplicada, que tem ganhado destaque como a intervenção que produz mais evidências científicas de eficácia para o autismo, segundo a Associação para a Ciência do Tratamento do Autismo dos Estados Unidos. Essa ciência promete não ser apenas um conjunto de teorias, mas, também, um longo caminho de mudanças na vida de pessoas autistas e familiares. Amplamente conhecida no meio, a abordagem é uma chave-mestra, que desbloqueia potenciais, molda destinos, desafia limites e proporciona uma vida mais plena para quem enfrenta as barreiras impostas pela sociedade. 

Uma série de pesquisas conduzidas há mais de 20 anos têm demonstrado a eficácia das intervenções baseadas em ABA para o Transtorno do Espectro Autista. Em um dos primeiros estudos, 47% das crianças do grupo experimental passaram de série na escola em que estudavam, assim como apresentaram funcionamento compatível com a sua idade. Desde então, isso vem sendo confirmado por diversas pesquisas que revelam que o sucesso está relacionado à intensidade, fidedignidade e precocidade da intervenção.

Mas o que há de tão eficaz nessa ciência, que é estudada desde a década 1960, e por que ela é uma das mais recomendadas tanto por especialistas quanto pelos pais que possuem filhos com autismo? A resposta mais sucinta está no próprio objeto de estudo da ABA: a aprendizagem de comportamentos socialmente relevantes. Ao direcionar pesquisas científicas para melhorar situações reais, essa abordagem fortalece comportamentos voltados para inclusão social e autonomia, enquanto reduz aqueles que impedem uma vida mais plena. Para isso, o analista do comportamento avalia as dificuldades e as potencialidades de cada indivíduo e constrói um plano terapêutico único, a fim de desenvolver repertórios que aumentem a qualidade de vida da pessoa autista e sua família. É como uma formação para a vida, em que cada desafio é uma oportunidade de crescimento.

Muitas vezes, desenvolver habilidades, para um autista, é como decifrar um enigma. Desde tarefas aparentemente simples, como escovar os dentes, até atividades mais complexas, como cozinhar, podem representar desafios significativos. Nesses casos, um analista do comportamento pode avaliar as habilidades prévias, como segurar uma escova de dentes ou identificar ingredientes na cozinha para uma refeição e, de degrau em degrau, construir repertórios robustos. A partir disso, vai auxiliar os aprendizes a se conectarem com o mundo ao seu redor, descobrindo sua própria voz e identidade. É uma jornada na qual cada pequeno avanço é uma vitória a ser celebrada.

A análise do comportamento aplicada não é um milagre. Com muitos estudos e resultados registrados ao redor do mundo, é mais que certo tratar dela como uma ciência sólida, baseada em evidências e que pode ser dedicada a guiar indivíduos com autismo. Para tanto, precisa de robustez e de integridade em relação ao que é produzido pela ciência. Nesse ponto, é importante buscar por profissionais qualificados e passar longe de charlatões.

Diante de tantas fake news, muito cuidado. Não demora tempo para que aventureiros digam que redescobriram a América e falsos especialistas prometam a cura do autismo para famílias fragilizadas. Por isso, é preciso fugir de promessas vazias e poucos resultados. Buscar um acompanhamento seguro que realmente faça a diferença na vida da pessoa com o Transtorno do Espectro Autista. Desde bebês que começam a desbravar o mundo até adultos que querem entrar no mercado de trabalho, todos têm sua própria jornada e é essencial respeitá-la. 

Estamos diante de vidas reais, de sonhos que anseiam por serem realizados e da busca incessante por um futuro mais inclusivo. Nesse ponto, o analista do comportamento pode ser o braço direito. Um profissional qualificado que combina expertise teórica, bagagem de experiência prática e um genuíno compromisso com o bem-estar dos pacientes. Tudo isso aliado a um cuidado guiado pela ciência e aliado à empatia para compreender as complexidades do comportamento humano. 

Então surge a questão que muitos se perguntam: é possível mudar a rota de desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida e inclusão de pessoas com TEA? Sim. No entanto, cada indivíduo é único e responde de maneira diferente às intervenções. Mas quando se estende a mão para caminhar junto e se desenvolve intervenções personalizadas, os resultados são certeiros. Compreender a singularidade de cada pessoa leva tempo e requer um olhar rebuscado sobre os progressos. Afinal, o autismo não é um quebra-cabeça a ser montado e, sim, um ser humano a ser compreendido, auxiliado e empoderado para alcançar seus máximos potenciais. E só quem olha através dos olhos desse outro vai descobrir um novo mundo de possibilidades e crescimento que transcende qualquer barreira.

A jornada ainda é longa e a vida em sociedade é o maior desafio. O momento pede para que façamos nossa parte vestindo a camisa pela conscientização do Transtorno do Espectro Autista. Precisamos acolher as diferenças e acreditar que com elas virão novas formas de pensar e novas condições de ser. O mundo é formado por pessoas diversas. Eu faço parte delas, você também.

*Natalie Brito Araripe é diretora da Luna ABA, psicóloga, analista do comportamento certificada internacionalmente e trabalha há mais de 10 anos com ABA aplicada ao autismo

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