CBD, THC e drogas K: desvendando a sopa de letrinhas

Liberato Brum Junior e Nelson Ferreira Claro Junior*

O mundo científico tem um dialeto próprio, com regras de escrita para os nomes de espécies animais, vegetais e substâncias químicas, que são oficialmente aceitas em todo o mundo. Por exemplo, Leucanthemum vulgare é o nome científico da flor popularmente conhecida como margarida e 1,3,7-Trimetilpurina-2,6-diona é o nome químico da cafeína. Além desses nomes complicados, é comum os cientistas utilizarem jargões próprios, como o acrônimo DDT, que se refere ao dicloro-difenil-tricloroetano, um inseticida antigo e bastante conhecido. Essa sopa de letrinhas muitas vezes causa confusão e interpretações falsas.

Um exemplo claro dessa confusão são as novas drogas chamadas “drogas K”. Conhecidas pela ciência há pelo menos três décadas, essas substâncias foram inicialmente desenvolvidas e estudadas como tratamentos para várias doenças, como dores crônicas, mas acabaram sendo comercializadas no mercado ilegal como entorpecentes potentes, com efeitos imprevisíveis. E, para piorar, são frequentemente confundidas e associadas ao canabidiol, que no mundo científico é chamado pelo acrônimo CBD.

Segundo o DEA, órgão de controle de entorpecentes nos Estados Unidos os produtos podem ser encontrados com várias nomenclaturas, tais como: Spice, K2, K4, K9, RedX Dawn, Paradise, Demon, Black Magic, Spike, Mr. Nice Guy, Ninja, Zohai, Dream, Genie, Sence, Smoke, Skunk, Serenity, Yucatan, Fire, Skooby Snax, and Crazy Clown (DEA, 2023).

É fundamental esclarecer que tais drogas não apresentam nenhuma relação com formulações produzidas com Canabidiol obtido através da planta, nem com Canabidiol sintético utilizado na produção de medicamentos. Como descrito acima, a droga possui moléculas específicas “fabricadas” para ocasionar alteração de sistema nervoso central, alterações sensoriais e de percepções de uma droga de abuso ilícito. Já medicamentos são desenvolvidos com moléculas com segurança e eficácia comprovadas através de inúmeros ensaios de performance, não-clínicos e clínicos.

Vamos então esclarecer?

O CBD (canabidiol) é um dos principais compostos encontrados na planta cannabis sativa, conhecida como maconha ou marijuana. Essa substância faz parte de um grupo de compostos chamados fitocanabinoides. Além do CBD, outro fitocanabinoide encontrado na planta é o THC (acrônimo de tetrahidrocanabinol). O CBD e o THC são substâncias químicas diferentes e agem de forma distinta no organismo humano: o THC tem efeito psicotrópico ou psicoativo, alterando o estado mental e afetando a função psicológica do indivíduo, enquanto o CBD não apresenta esse efeito.

Na década de 1980, John W. Huffman, professor de química da Universidade de Clemson, Estados Unidos, estudava substâncias químicas produzidas em laboratório que poderiam substituir o THC no desenvolvimento de tratamentos para dor, inflamação e alguns tipos de câncer de pele. Ele e sua equipe criaram mais de 470 compostos sintéticos diferentes para testes em animais de laboratório.

O pesquisador comparou os efeitos desses compostos sintéticos com os efeitos já conhecidos do THC, que seria como referências nesses estudos, e descobriu que alguns deles eram até 100 vezes mais potentes. Ele reuniu os resultados de sua pesquisa e os publicou em revistas científicas. Essas substâncias produzidas em laboratório, por interagirem de maneira semelhante ao THC no organismo humano, foram chamadas de canabinoides sintéticos.

Mas após a publicação do trabalho da equipe de Huffman, foi percebida a possibilidade de produzir drogas ilícitas misturando os compostos sintéticos, seguindo a “receita” divulgada pelo professor em seus artigos científicos, com ervas inofensivas para criar uma semelhança com a maconha. Assim surgiram as chamadas “drogas K”, que são compostos ilícitos “fabricados” para causar alteração de sistema nervoso central, alterações sensoriais e de percepções. Importante destacar que são completamente diferentes e não apresentam nenhuma relação com produtos farmacêuticos à base do canabidiol, que tem estudos demonstrando sua segurança e eficácia terapêutica para síndromes de epilepsia e epilepsia refratária e que apresentam potencial terapêutico para várias outras indicações como Alzheimer, dor, ansiedade, entre outras.

Além de possuir seu próprio dialeto, o mundo científico exige responsabilidade. É nos laboratórios que são descobertas formas de atenuar dores, curar doenças e garantir uma melhor qualidade de vida. Anos de estudos e testes têm permitido que pessoas ao redor do mundo tenham oportunidades de tratamento e novas chances de viver com saúde. Somente com informação e valorização da ciência conseguiremos evitar e combater os usos inadequados dessas descobertas.

* Liberato Brum Junior, farmacêutico e gerente de Inovação e Pesquisa Clínica da Prati-Donaduzzi e Nelson Ferreira Claro Junior, Diretor de farmoquímicos da Prati-Donaduzzi

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