por Lorena Nogaroli*
As crises são como a morte: não sabemos quando, onde ou como irão ocorrer, mas temos uma única certeza – elas virão. E, assim como a morte, é a forma como nos preparamos e reagimos que define o impacto que terão em nossas vidas.
A pandemia de Covid-19 escancarou essa realidade ao expor a fragilidade de sistemas e organizações diante de eventos extremos. O cenário atual, marcado por mudanças climáticas, avanços tecnológicos, instabilidade geopolítica e volatilidade econômica, reforça a necessidade de antecipar e mitigar crises.
A teoria da vulnerabilidade de Blaikie, Cannon, Davis e Wisner (1994) sustenta que crises surgem da combinação de fatores físicos, sociais, econômicos e políticos. Em termos simples, uma crise acontece quando uma ameaça interage com uma comunidade vulnerável, incapaz de lidar de forma eficaz com seu impacto. Por isso, a gestão de riscos deve proceder sempre a gestão da crise propriamente dita.
A gestão de riscos tem três objetivos principais. O primeiro é evitar a ameaça, identificando os riscos e as formas de prevenção. No entanto, nem sempre as ameaças são evitáveis. Nesse caso, entram os outros dois objetivos: a mitigação de impactos e o aumento da resiliência. A Teoria da Resiliência (Walker e Salt, 2006) enfatiza a adaptação e a recuperação, em vez de evitar totalmente a crise, reconhecendo que, embora nem todas possam ser prevenidas, seus impactos sociais e econômicos podem ser minimizados.
É exatamente pela característica da imprevisibilidade das crises que o gerenciamento de risco pode ser chamado de arte e ciência (Taleb, 1997). Quando lidamos com eventos futuros, muitos dos quais podem nunca ocorrer, torna-se impossível uma medição totalmente objetiva. Enquanto eventos passados podem ser analisados cientificamente, o futuro exige um elemento de subjetividade. Nesse contexto, a intuição prática e a experiência do gestor de riscos desempenham um papel fundamental.
A experiência e a humildade do gestor de riscos (CRO) influenciam diretamente na proporção da crise em relação à previsibilidade, impacto e capacidade de reação a ela. Na crise financeira global de 2008, por exemplo, sinais de alerta precoces e informações de risco estavam disponíveis para operadores e tomadores de decisão antes dos eventos, mas preconceitos comportamentais e barreiras organizacionais impediram que essas informações fossem colocadas em prática. Os bancos de Wall Street tinham os “melhores e mais brilhantes” profissionais, com pouca ou nenhuma experiência anterior com fracassos.
Ou seja, as crises geralmente dão sinais, mas as organizações precisam estar preparadas para identificar esses alertas. As causas de muitas crises é o acúmulo de erros latentes ou não detectados, frequentemente acompanhados por falhas de inteligência (limitações de recursos que impedem a obtenção de todas as informações necessárias para a gestão de riscos eficaz). A dificuldade no diagnóstico da vulnerabilidade está diretamente ligada à cultura organizacional que, por uma série de fatores, atenta-se a determinados riscos, mas acaba desprezando alertas importantes.
Organizações que transformam erros em oportunidades de aprendizado são mais resilientes. Empresas de alta confiabilidade (HROs) adotam uma Cultura Justa, conceito apresentado por Reason (1997), que prioriza a identificação e correção de falhas, sem focar na culpabilização. Por outro lado, culturas que escondem erros e ignoram “quase-crises” (near misses) acumulam vulnerabilidades latentes. Pequenos incidentes mascarados impedem o aprendizado e aumentam o risco de falhas catastróficas. O papel do consultor externo é essencial nesses cenários, pois ele consegue identificar riscos não percebidos internamente, superando vieses culturais e pontos cegos.
Preparar-se para crises não é apenas uma questão de sobrevivência, mas também de crescimento e adaptação em uma realidade cada vez mais complexa. Afinal, como diz o ditado: “O que não nos mata nos torna mais fortes” — desde que saibamos como aprender com cada desafio.
*Lorena Nogaroli é jornalista especializada em gestão de riscos e crises. Fundadora da Central Press, dirige o escritório da agência de reputação em Londres.
____________________________________
Where Do Crises Begin?
By Lorena Nogaroli*
Crises are much like death: we do not know when, where, or how they will happen, but we do know one thing – they will come. And, just as with death, how we prepare for and respond to them defines the impact they will have on our lives.
The COVID-19 pandemic laid this reality bare, exposing the fragility of systems and organisations in the face of extreme events. Today’s landscape of climate change, technological advancements, geopolitical instability, and economic volatility reinforces the importance of anticipating and mitigating crises.
The Theory of Vulnerability, introduced by Blaikie, Cannon, Davis, and Wisner (1994), asserts that a crisis occurs due to a combination of physical, social, economic, and political factors. Simply put, a crisis happens when a threat interacts with a vulnerable community that is unable to effectively handle its impact. Therefore, risk management must always precede the management of the crisis itself.
Risk management has three primary objectives. The first is to avoid the threat by identifying risks and prevention strategies. However, not all threats can be avoided. When this is the case, the other two objectives come into play: impact mitigation and building resilience. The Theory of Resilience (Walker and Salt, 2006) highlights the importance of adaptation and recovery rather than completely avoiding crises. While not all crises can be prevented, their social and economic impacts can be minimised.
It is precisely because crises are unpredictable that risk management can be described as both an art and a science (Taleb, 1997). When dealing with future events – many of which may never materialise – achieving fully objective measurement is impossible. While past events can be scientifically analysed, the future requires a degree of subjectivity. In this context, risk managers’ practical intuition and experience play a fundamental role.
The experience and humility of a Chief Risk Officer (CRO) directly influence the scale of a crisis, its predictability, impact, and the organisation’s ability to respond. Take the 2008 global financial crisis as an example: early warning signals and risk information were available to decision-makers beforehand. However, behavioural biases and organisational barriers prevented this information from being acted upon. Wall Street banks boasted the “best and brightest” professionals, yet many had little to no experience with failure.
This underscores a crucial point: crises often provide signals, but organisations must be prepared to identify and act upon them. Many crises arise from an accumulation of latent or undetected errors, often accompanied by intelligence failures – limitations in resources that prevent gathering sufficient information for effective risk management. The difficulty in diagnosing vulnerability is closely tied to organisational culture, which, for various reasons, may focus on certain risks while overlooking important warnings.
Organisations that turn mistakes into opportunities for learning are far more resilient. High-Reliability Organisations (HROs) adopt what is known as a Just Culture, a concept introduced by Reason (1997). This approach prioritises the identification and correction of failures without focusing on blame. Conversely, cultures that conceal mistakes and dismiss near misses – narrowly averted events before becoming crises – accumulate latent vulnerabilities. Masked minor incidents prevent learning and increase the risk of catastrophic failures. In these scenarios, the role of an external consultant is critical, as they can identify risks overlooked internally, overcoming cultural biases and blind spots.
Preparing for crises is not just about survival but about growth and adaptation in an increasingly complex world. As the saying goes, “What doesn’t kill us makes us stronger” – provided we learn from every challenge.
* Lorena Nogaroli is a journalist specialising in risk and crisis management. She founded Central Press and leads the agency’s reputation management office in London.