*por Iara Maggioni
É um trabalho que começa, se desenvolve e termina num único dia. Ser repórter é saber lidar com o instante, com o agora, com o que precisa ser contado hoje, porque amanhã já não mais interessa. Ser repórter é contar a história enquanto ela acontece. A frase é de um dos repórteres com mais tempo de atuação no Paraná: Antônio Nascimento, mais conhecido como Toninho. Para citá-la, ele emprestou palavras do jornalista Clóvis Rossi, em prefácio do livro “A aventura da reportagem”, escrito a quatro mãos pelos jornalistas Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotscho. Toninho é repórter desde os 17 anos. Já são quatro décadas nesta função, já que o jornalista está com 58 anos de idade.
“Comecei por acaso, na rádio Clube Paranaense. No início da década de 80, Augusto Canário esteve na loja de meu irmão e eu disse que queria conhecer o trabalho de rádio. Ele me disse para ir até lá. Por coincidência, o repórter do programa havia faltado. Canário saiu para fazer reportagem e eu fui junto. Depois, pedi para voltar novamente. No terceiro dia, pedi ao gravador e disse que faria as reportagens. Aí tocou o bip, eu liguei na central e descobri que havia apresentação em uma delegacia. Liguei na delegacia, pedi o endereço e perguntei qual ônibus deveria pegar para chegar. Na delegacia, falei para o delegado ‘doutor, eu nunca fiz isso, não tenho ideia de como fazer, não sei o que perguntar’. Ele pegou uma caneta, escreveu três perguntas e disse: ‘pergunta isso’.”, recorda Toninho sobre seu primeiro dia de trabalho.
Ao longo do tempo, muita coisa mudou. Em 86, Toninho foi para a Rádio Cidade, onde trabalhou por 13 anos. Em 1999, foi para a rádio Banda B, onde trabalha até hoje. Em janeiro, ele completou 25 anos na emissora. “Antigamente, eu tinha um gravador de mais ou menos 15×30 cm, com fita cassete no meio. Nas coletivas de imprensa, os cinegrafistas diziam ‘abaixa esse caixote’, porque o aparelho era muito grande mesmo. Hoje a gente edita no computador, levamos apenas um celular para as reportagens e com ele gravamos, editamos, tiramos foto, escrevemos o texto. Antigamente para ligar para as fontes tinha que parar o carro, pegar a ficha, descer no orelhão e discar. Era muito artesanal. Hoje as assessorias mandam áudio no whatsapp, você fala com pessoas de outras cidades de forma muito fácil. Você consegue fechar matéria até sem sair do estúdio”, explica Toninho. Mas o jornalista comemora ao dizer que uma coisa que não mudou: “Enquanto você tá atuando, você tá ajudando a escrever a história contemporânea e é isso que me fascina. É isso que me faz acordar todo dia com a mesma garra, a mesma vontade e com o mesmo prazer que eu tinha quando eu era menino, com 17 anos. Eu vou fazer 59 esse ano, mas tenho a mesma vontade e disposição. Acordo às 3h da manhã todo dia para ir para rádio. Acordo como se fosse meu primeiro dia de trabalho.”
A história nos conta que o início do jornalismo no Brasil coincide com a chegada da família real portuguesa ao país, em 1808. Naquele ano, começaram a circular a Gazeta do Rio de Janeiro, órgão oficial da corte, e o Correio Braziliense, produzido, editado e impresso em Londres, mas com circulação mensal no país até 1822 – com restrições por ser uma publicação contrária à Coroa.
Os jornais de caráter noticioso surgiram apenas no final do século 19. O Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil publicaram seus primeiros exemplares em 1875 e 1891, respectivamente. Muitos consideram Euclides da Cunha o primeiro repórter do Brasil. O escritor realizou a cobertura da Guerra de Canudos, em 1896, para O Estado de São Paulo. Na época, entrevistou presos, pesquisou arquivos sobre os personagens de guerra e narrou o que acontecia no conflito.
Produzir notícias, hoje, é muito mais fácil e rápido, mas o compromisso com os fatos não deixa de ser prioridade. Para a jornalista Josianne Ritz, que trabalha há 26 anos no jornal Bem Paraná (hoje também portal), a tecnologia trouxe mais desafios. “Não acho que seja melhor ou pior. É diferente. Eu particularmente gosto muito do online, mais que o impresso. Gosto da repercussão imediata, de poder ver na hora quantos leitores estão naquela reportagem. É mais fácil identificar as necessidades do leitor. A adrenalina é maior também. Eu diria que são três desafios principais. Um deles é não deixar que a pressa atropele a ética e a boa apuração. Outro é balancear reportagens e linguagens que o leitor quer sem se tornar um caça-clique e ao mesmo tempo educar e atrair o público com reportagens mais profundas que façam pensar, refletir”, analisa a jornalista.
Josianne começou no jornalismo em 1995, como repórter de política no Jornal Indústria & Comércio, aos 19 anos. Ela pontua que um bom jornalista (especialmente um bom repórter) precisa entender o contexto dos cidadãos para quem escreve. “Sempre se colocar no lugar do leitor de todas as classes sociais, bairros, profissões para entender o que é notícia. Um bom repórter precisa ser cidadão no sentido mais amplo da palavra. Não adianta ter um bom texto mas não enxergar as necessidades da população, do internauta, da sociedade”, conclui.
Opinião similar tem o repórter Emanuel Pierin, que tem mais de 20 anos de atuação em veículos de comunicação no Paraná. Hoje na RPC, Emanuel recorda a lição que teve – e que rendeu prêmio nacional – em reportagem para uma rádio AM da Lapa (RMC), sua cidade natal. “Foi em uma rádio ligada à igreja que pude colocar em prática algumas reportagens que sempre quis fazer. Me recordo quando – no dia das mulheres – ouvi catadoras de recicláveis da cidade sobre o dia a dia delas. Com essa reportagem ganhei um prêmio nacional da CNBB, na época entregue em Belém do Pará. Ali pude perceber que a boa reportagem é aquela feita ouvindo verdadeiramente as pessoas, independente do cargo ou posição que elas ocupam. Todo mundo pode render uma ótima história. É só parar para ouvir”, pontua Pierin. Para ele, ser repórter resume a importância da comunicação. “O repórter é aquele que aponta, diz que existe um caminho. A importância do repórter remete à importância da própria comunicação: em uma sociedade de muitas vozes a dele se sobrepõe, e não só porque tem um microfone ou um teclado ao alcance da mão: também porque – através da voz dele – outras vozes se fazem ouvir. Ele carrega a missão de falar aos outros e falar pelos outros. Acho que esse é o significado da profissão de repórter”.
As novas tecnologias têm trazido novas formas de fazer jornalismo – e novas exigências aos profissionais. Estabelecida há anos em alguns países, a função de videorrepórter já é vista em diversos veículos de imprensa brasileiros, especialmente nas emissoras de TV. Como o próprio nome já diz, o trabalho engloba a função padrão de repórter, mas também o trabalho de produzir imagens, como faz o repórter cinematográfico.
Em Curitiba, um dos jornalistas que atua nesta função é Vinicius Silvestrini, de 22 anos, videorrepórter na Rede Massa. Há 9 meses nesta posição, Silvestrini pontua os principais desafios. “Acredito que a principal dificuldade seja a de trabalhar sozinho mesmo. São muitas funções para uma pessoa só. O videorrepórter precisa ter uma visão ampla sobre a matéria, começando pela leitura da pauta, e é aí que precisamos estar alinhados com a produção. Muitas pautas não são possíveis de serem feitas por uma única pessoa. Coletiva de imprensa, por exemplo. Precisa torcer para não esbarrarem no teu equipamento. Fala povo também não é uma tarefa fácil. Diferente da dupla, repórter e cinegrafista, onde o câmera te ajuda a “correr” atrás do entrevistado, na videorreportagem é mais difícil. Preciso convidar as pessoas para participarem da entrevista, vir até o equipamento e aí gravar. Em Curitiba, nós já sabemos… ninguém gosta de dar entrevista. Outro ponto que no começo era difícil, era a de pensar como um cinegrafista, saber qual enquadramento é melhor, qual o melhor ângulo para o entrevistado te olhar, se a luz estava boa. Como eu trabalho com um smartphone, ao mesmo tempo em que conduzo a entrevista, preciso me atentar se o vídeo não vai perder o foco, se o áudio está captando corretamente, enfim, são dificuldades que na maioria das vezes se tornam limitações”.
Para o videorrepórter, no entanto, os profissionais vão precisar se adaptar. “O futuro é da multifunção. Aqueles que não se atualizarem, não acompanharem as novas tecnologias e se limitarem, vão ficar para trás. A videorreportagem é uma função que veio para ficar. Claro que o cinegrafista não será extinto, mas será cada vez mais comum termos repórteres multifunções, que saibam produzir, apurar, gravar, entrevistar”, finaliza Silvestrini.
A forma de fazer reportagem provavelmente vai seguir mudando ao longo dos anos. Mas as características de um bom repórter ainda são as mesmas: comprometimento com a sociedade, curiosidade e ética. É assim que o jornalismo vai seguir fazendo a diferença e contribuindo para uma sociedade mais justa, mais democrática e melhor para se viver.
*Iara Maggioni é assessora de imprensa na Central Press e apresentadora do podcast Tem Conversa.