No dia 25 de janeiro de 2019, o Brasil viveu uma de suas maiores tragédias ambientais e humanas: o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Minas Gerais. A estrutura que armazenava rejeitos de mineração colapsou, liberando uma onda de lama tóxica que devastou a região, matou 272 pessoas e causou danos ambientais irreparáveis.
O que torna esse desastre ainda mais grave é que relatórios internos já indicavam sinais claros de risco meses antes da tragédia, mas a pressão por produtividade e a negligência na gestão da segurança impediram uma resposta adequada. Esse problema estrutural, guardadas as devidas proporções, não se restringe à mineração: falta um ambiente organizacional que incentive e valorize o questionamento.
Esse padrão se repete em diversas crises organizacionais, muitas delas com consequências fatais. Ao longo da história, crises graves aconteceram porque sinais de alerta foram ignorados, e decisões foram tomadas sem um questionamento criterioso. Quando não há espaço para ceticismo saudável, os erros se acumulam até se tornarem catastróficos.
A crise da Enron (2001), por exemplo, resultou do encobrimento de práticas contábeis fraudulentas. Funcionários que questionaram as irregularidades foram ignorados ou silenciados, culminando em uma das maiores falências da história corporativa.
Na aviação, um erro semelhante aconteceu com o Boeing 737 MAX (2018 – 2019). Engenheiros da empresa identificaram falhas no software MCAS, que poderiam comprometer a segurança dos voos. No entanto, a companhia priorizou o lançamento do produto e ignorou os avisos. O resultado foram dois acidentes fatais, um recall global da aeronave e uma crise bilionária para a fabricante.
No Brasil, outro exemplo recente é a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul (2024). Especialistas já alertavam há anos sobre a crescente vulnerabilidade do estado a eventos climáticos extremos. Mas, sem planejamento preventivo e infraestrutura adequada, o impacto das chuvas foi devastador. Assim como em Brumadinho, a falta de resposta antecipada transformou um risco conhecido em catástrofe.
Em todos esses casos, os sinais de risco estavam visíveis, mas foram ignorados porque o questionamento não fazia parte da cultura organizacional ou governamental.
O papel do ceticismo saudável
O ceticismo saudável consiste em questionar processos, desafiar decisões e revisar estratégias continuamente para evitar falhas sistêmicas. Ele não deve ser confundido com pessimismo ou resistência à mudança. Pelo contrário, trata-se de criar um ambiente em que funcionários e especialistas possam expressar preocupações sem receio de represálias.
Empresas e governos que cultivam essa prática tornam-se mais resilientes, pois conseguem antecipar problemas antes que se transformem em crises. Organizações que estimulam auditorias internas, revisam processos regularmente e criam canais para relatar falhas sem temor de punição fortalecem suas operações. Essa postura não desacelera processos, mas os fortalece, garantindo que decisões sejam baseadas em dados concretos, e não apenas em metas de curto prazo.
De quantas tragédias ainda precisamos?
Nos casos citados, a omissão custou vidas, colapsos financeiros e danos irreversíveis ao meio ambiente. A pergunta que fica é: quantos desastres ainda precisam acontecer para que líderes aprendam a ouvir os alertas?
No fim das contas, não é a velocidade de uma decisão que define seu sucesso, mas, sim, a qualidade da análise que a antecede.
Lorena Nogaroli
*Lorena Nogaroli é especialista em gestão de riscos e crises pela The London School of Economics and Political Science (LSE). Fundadora da Central Press, dirige o escritório da agência de reputação no Reino Unido.