Carta para as mães: permita que os outros também maternem quem você mais ama

Anna Baratieri*

Há pouco mais de um ano, recebemos a notícia de que teríamos que nos afastar do convívio social. Ao mesmo tempo, percebemos que alguns convívios se intensificariam, como aqueles com as pessoas que moram com a gente. Parecia simples. O movimento inicial de muitos de nós foi tentar replicar as rotinas já vigentes ao período de confinamento. Mas, aos poucos, a exaustão tomou conta e a cobrança de todas as esferas (familiares, pessoais e profissionais) começou a tornar a manutenção de tantos espaços e comportamentos inviável.

Como mãe, vi minhas posturas se ressignificarem e percebi que eu precisava repensar e assumir responsabilidades que tinha delegado e delegar responsabilidades que eu acreditava serem exclusivamente minhas. No repensar da maternidade em si, entendi que o “maternar” não é inerente à mãe. O “maternar” tem muito mais a ver com o cuidado que com o parto. Dessa forma, encontrei um modo mais leve de encarar os múltiplos desafios desse modo de viver inesperado, o confinamento.

Esse movimento de reposicionamento de papéis é, sem dúvida, um desafio enorme, pois nos coloca em contato com aquilo que diz respeito a quem acreditamos ser. O mais bonito, nesse caminho, foi perceber que somos muitas, plurais e maleáveis. Durante este período, vimos nossas crianças retornarem aos lares por tempo indeterminado, comprometendo arranjos que tínhamos orquestrado. Muitas de nós estamos com os filhos em casa e sem saber como dar conta de uma agenda de atividades que respeite os espaços e necessidades individuais e coletivos.

Eu vejo que o mais importante, portanto, é estarmos atentos para ouvir o que nós precisamos e o que as crianças precisam. A audição é um dos sentidos mais poderosos para nosso desenvolvimento e, por isso, devemos estimulá-la sempre. Na intenção de trazer um pouco de alívio à sobrecarga que a administração de diferentes espaços (trabalho, escola, lar, etc.) pode implicar aos que “maternam”, lembrem-se: não estamos replicando o ambiente escolar em casa. Batalhas sobre ser fiel à rotina podem ser ainda mais desgastantes que a rotina em si. Se há algo que já podemos marcar como aprendizado nesse confinamento é que precisamos ser flexíveis. Até encontrarmos, em nossas casas, um ritmo que seja confortável para todos, precisamos ir devagar.

Também busque conter seus impulsos práticos de querer resolver as coisas por eles. Cada criança absorve informações de um jeito diferente. Olhe para sua criança e a escute. É assim que você conseguirá saber se ela quer ou precisa de ajuda. Se estiver em dúvida, pergunte. Viva a experiência com ela. Como adulto, a sua percepção de tempo e de urgência é diferente da criança. Estamos acostumados a achar que tudo é prioridade. Mas prioridade é uma palavra que sempre deveria ser usada no singular. O simples fato de você ter uma criança em casa a torna prioridade.

Nesses novos tempos de afastamento (dos outros) e aproximação (dos nossos) simultâneos, parceria é certamente a palavra-chave para atravessarmos as ondas mais altas. E a integração dos ambientes doméstico e escolar pode resultar em uma dinâmica que priorize o que realmente é mais importante em cada etapa para o seu filho. Acredite no trabalho que a escola está realizando no on-line e apoie as práticas no off-line. Assim, criaremos um cenário para que, não apenas você, mas outras pessoas também possam “maternar” quem a gente mais ama.

*Anna Baratieri é coordenadora editorial de linguagens do SPE.

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