Carne de onça: patrimônio cultural ou animal em extinção?

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Prato típico curitibano tem origens europeias e orientais

Tramita na Câmara Municipal de Curitiba um projeto de lei que prevê tornar a Carne de Onça um patrimônio cultural da cidade. A proposta remete a uma história interessante e polêmica: a origem do prato e a procedência da carne.
O prato, popular na capital paranaense, é feito com carne magra bovina e não felina, como o nome sugere. A preferência é pela ausência de nervos e gordura, já que a carne é servida moída, crua e  sem tempero sobre fatia de broa preta. Aí é que vêm a pimenta do reino, sal, azeite de oliva extra virgem, cebolinha e cebola branca cortada bem fininha, mais sal, azeite de oliva e pimenta do reino. Assim está pronto o futuro patrimônio cultural curitibano.
De onça mesmo?
A polêmica em torno do nome da Carne de Onça é comum e antiga. Mesmo que os brasileiros  não tenham o costume de consumir carne de felinos, usar a onça-pintada como ingrediente seria no mínimo difícil, por um motivo simples e trágico: no Brasil, a onça-pintada (Panthera onca) está ameaçada de extinção, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O felino é o maior das Américas e um ícone da natureza brasileira, mas sofre com a redução de áreas naturais protegidas e historicamente com a caça.
De acordo com o biólogo do Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, Roberto Fusco Costa, a onça-pintada tem uma função importante para o meio ambiente: ela atua como um indicador de qualidade ambiental. “A onça-pintada é um predador de topo na cadeia alimentar e por isso precisa de grandes áreas preservadas que mantenham suas presas naturais e tenham suprimento de água abundante para sobreviver”, explica ele.
Segundo um estudo desenvolvido em 2014 pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos e Carnívoros (Cenap), existem cerca de 250 onças-pintadas na Mata Atlântica atualmente. Ou seja, a espécie sofreu redução de 80% nos últimos 15 anos.
Para Fusco Costa, uma das maneiras de ajudar esses felinos é investir na implementação de áreas naturais protegidas existentes. “Ao conservar o habitat natural de grandes predadores como a onça-pintada, por exemplo, nós protegemos todas as espécies que vivem ali e são peças fundamentais para o equilíbrio desse ecossistema”, concluiu.
Bafo de onça
De acordo com o autor do projeto de lei, Helio Wirbiski, o prato teria surgido em Curitiba na década de 1940 no bar “Toca do Tatu”. A versão brasileira foi inspirada em pratos tradicionais no velho continente e Oriente Médio: o alemão Hackepeter, feito com carne suína, o francês Steak Tartare e o Quibe e a Kafta Crus do Líbano e Síria (todos feitos com carne bovina, em geral).
No Brasil, a Carne de Onça ganha esse nome devido ao “bafo” de quem come a iguaria, mas a polêmica é grande. De acordo com Jorge Tonatto, sócio do tradicional Bar do Alemão, em Curitiba, é comum o questionamento a respeito da carne usada no preparo. “Muitas pessoas nos questionam se usamos carne de onça realmente. Outras ficam indignadas quando ouvem falar do prato que usaria o felino, mas sempre esclarecemos e convidamos todos a provar”, comenta.
 
*Roberto Fusco Costa é membro da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

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