Cadeia Vitória-Trindade serve de modelo para explicar a origem da vida marinha ao redor de ilhas isoladas

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Nova teoria iniciou 50 anos depois da divulgação da famosa Biogeografia de Ilhas

Para compreender como as espécies se originam nas ilhas, pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, desvendaram a biodiversidade dos ambientes recifais dos montes submarinos e ilhas da Cadeia Vitória-Trindade, localizados na costa capixaba. Esses montes são extremamente isolados e profundos. O estudo, publicado na  Nature no dia 07 de setembro, foi realizado exatamente 50 anos após a publicação da Teoria de Biogeografia de Ilhas – modelo amplamente utilizado para compreender a distribuição e a riqueza de espécies terrestres em ilha – e lança uma nova teoria que explica a origem e evolução da vida marinha nesse ambiente.

O trabalho é focado na história evolutiva dos peixes endêmicos da Cadeia Vitória-Trindade, ou seja, de espécies que só existem ali nos montes submarinos e nas ilhas, e em mais nenhuma outra região do mundo. Por meio de parcerias com a Academia de Ciências da Califórnia e com a Universidade da Califórnia Santa Cruz, e com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, o time de pesquisadores liderado por Hudson Pinheiro – ex-aluno do programa Ciência sem Fronteiras e pesquisador associado à Academia de Ciências da Califórnia e à Associação Ambiental Voz da Natureza – estudou o DNA desses peixes para entender a evolução e a origem deles. “Descobrimos que a maior parte das espécies endêmicas são pequenas, possuem capacidade de migração muito limitadas e se originaram recentemente. Um número limitado de espécies terrestres chega nas ilhas, onde elas acabam se diversificando para ocupar todos os ambientes disponíveis. No ecossistema marinho, todos ambientes são ocupados por espécies com boa capacidade de se dispersar e a origem de novas espécies só ocorre quando os peixes com menor capacidade de dispersão chegam nas ilhas”, esclarece Pinheiro.

Segundo os pesquisadores, a Cadeia Vitória-Trindade representa um dos poucos ambientes marinhos do mundo onde é possível estudar os processos de evolução nos oceanos. “A distribuição linear dos montes e ilhas da Cadeia, e o isolamento, são as principais características que propiciam esse tipo de estudo”, relata o professor doutor Jean-Christophe Joyeux. Segundo o cientista, peixes e diferentes organismos marinhos de águas rasas utilizam os montes submarinos como trampolins, alcançando a Ilha da Trindade, o que explica a diversidade de peixes na Ilha. A maioria das espécies que não conseguem se dispersar utilizando os montes são as que vivem em ambientes rasos ao redor de Trindade. De acordo com o professor doutor Raphael M. Macieira, da Universidade de Vila Velha, essas são as espécies que ficam geneticamente isoladas e se tornam endêmicas da ilha, sendo somente encontradas nesse local.

Desejo realizado

O pesquisador João Luiz Gasparini, da Universidade Federal do Espírito Santo, confessa que estudar a biodiversidade dos montes submarinos da Cadeia Vitória-Trindade era um sonho antigo dos pesquisadores. Há mais de 20 anos estudando a biodiversidade marinha de Trindade e da costa do Brasil, o pesquisador sugere que as espécies com baixa capacidade de dispersão só puderam chegar na ilha durante as Eras Glaciais, períodos em que o nível do mar era mais baixo que o atual (até 120 metros), e que os atuais montes submarinos eram ilhas. “A última Era do Gelo terminou há cerca de dez mil anos e isso explica a origem recente dos peixes de Trindade, que só conseguiram chegar lá utilizando os montes quando estes eram ilhas com ambientes rasos”, completa Hudson Pinheiro.

Apesar da importância para a biodiversidade marinha, e agora para o desenvolvimento de estudos científicos com abrangência mundial, os pesquisadores estão preocupados com a conservação da região. A Cadeia Vitória-Trindade é alvo de pescarias ilegais de embarcações internacionais e, além disso, as pescarias locais também não são manejadas adequadamente, não existindo cotas e regulamentação para as capturas sobre os montes e nas ilhas. Parte da Cadeia Vitória-Trindade se enquadra no projeto Amazônia Azul, não pertencendo ao território brasileiro. Entretanto, em vez de utilizar esse ambiente único para atividades de desenvolvimento sustentável, como pesca e turismo moderados, empresas brasileiras mineraram por dois anos os topos dos montes submarinos, destruindo os habitats para a produção de fertilizantes, o que, segundo o doutor Luiz Alves Rocha, da Academia de Ciências da Califórnia, pode trazer consequências irreversíveis para a biodiversidade e processos ecológicos e evolutivos.

Por isso, cientistas, ambientalistas e pescadores estão trabalhando em conjunto para mostrar ao governo a importância cultural, econômica e cientifica da região. “Esperamos que a Cadeia Vitória – Trindade possa ser utilizada como fonte de recursos naturais e de desenvolvimento cientifico não só nos dias de hoje, mas também pelas muitas gerações futuras que merecem conhecer e usufruir dessa maravilha natural que é o local”, conclui Hudson Pinheiro.

Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário – instituição que apoiou financeiramente o estudo – reforça a importância de pesquisas como essa que, além de gerar dados científicos apurados, contribui para embasar mecanismos de conservação. “A Fundação Grupo Boticário incentiva os pesquisadores a atuarem junto ao poder público, de forma que o conhecimento gerado pelas iniciativas apoiadas contribua para a o aprimoramento de políticas públicas voltadas à conservação da biodiversidade”, afirma Malu.

Sobre a Fundação Grupo Boticário

A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é promover e realizar ações de conservação da natureza. Criada em 1990 por iniciativa do fundador de O Boticário, Miguel Krigsner, a atuação da Fundação Grupo Boticário é nacional e suas ações incluem proteção de áreas naturais, apoio a projetos de outras instituições e disseminação de conhecimento. Desde a sua criação, a Fundação Grupo Boticário já apoiou 1.510 projetos de 501 instituições em todo o Brasil. A instituição mantém duas reservas naturais, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado, os dois biomas mais ameaçados do país. Outra iniciativa é um projeto pioneiro de pagamento por serviços ambientais em regiões de manancial, o Oásis. Mais informações: http://www.fundacaogrupoboticario.org.br/

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