[flgallery id=150 /]
Por Daniel Medeiros, doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo
Certa vez, fui visitar o túmulo do rei D. Pedro I, no mosteiro de Alcobaça, próximo a Lisboa. Atrás de mim, um casal de brasileiros trocava entre si as seguintes impressões sobre o personagem histórico: “É o nosso D. Pedro?” “Sim – disse o outro – o do Descobrimento”. É fato que me diverti com esse diálogo e o contei para professores amigos meus. “Imagina, olha o nível dos caras”, devo ter dito uma ou duas vezes. Que bobo esse tipo de comentário. O meu. Afinal, que importância isso tem? Por que é necessário conhecer esse tipo de passado? Creio que se há alguma importância em conhecer o passado é para que esse conhecimento nos ajude a superar algo que está aqui, no presente. Por isso, saber detalhes e nomes, lugares e batalhas pode ser tão inútil quanto repetir de memória a escalação da seleção brasileira de 1954.
A História que merece ser conhecida é justamente aquela que é despertada pelas perguntas que fazemos no presente. O passado deve ser sempre acessado para ajudar a entender o que nos incomoda, o que não compreendemos a respeito do que nos cerca. Por exemplo: por que temos uma educação com qualidade tão ruim? Por que nossa saúde pública é tão precária? Por que não exploramos mais as ferrovias e hidrovias? Por que somos uma Federação tão pouco federativa? Por que matamos tanto no trânsito? Por que somos um país mestiço tão preconceituoso? Por que mantemos o nome de ditadores nas praças e ruas? Por que acreditamos que um monarca que manteve a escravidão durante 48 de seus 49 anos de reinado foi tão bom? Perguntas, perguntas. Esse é o passe-livre para o passado. E isso determina a sua importância.
Logo, se há algo que é preciso ensinar nas aulas de História, para as crianças e para os jovens, é sobre fazer perguntas. A passividade que muitos expressam diante da realidade que nos cerca, como se tudo o que ocorre fosse um dado, algo natural – como diria o poeta -, “eis o cadáver”. É aí, no despertar para o caráter contingente do nosso presente e sua possibilidade de ser diferente, é que está o jogo para ser jogado. E urgentemente. Se não há questionamento, a História não passa de anedota, curiosidade, conversa de salão. Divertida e fútil. Ou pior, panfletária e unidirecional. E, nesses casos, não adianta o professor afirmar que são os “jovens que não se importam com mais nada”. Primeiro, porque não é verdade. Os jovens, via de regra, não sabem é como expressar suas decepções diante das coisas, ou o fazem usando os recursos que dispõem (o que facilita a muitos professores querer aparelha-los, doutriná-los). Cabe aos mais velhos, isso sim, oferecer repertórios para viabilizar a construção de novos diálogos e discursos. E o ponto de partida para isso é, sem dúvida, contextualizar os fatos, desnaturalizá-los, historicizá-los, devolver a eles a “cauda longa” que a falta de interesse e o espírito de detetive impede, muitas vezes, que vejamos e compreendamos.
Os livros de História não deveriam fazer muitas afirmações. Deveriam fazer muitas perguntas. E oferecer muitas pistas. Múltiplas, diversas perspectivas sobre os fatos, indícios sobre esses acontecimentos que não podemos mais reviver, mas que podem nos ajudar a compreender melhor o momento no qual vivemos e como podemos enfrentá-lo, modificando-o, preservando-o. Inês é morta (pobre D. Pedro!), mas há tempo para que a História sirva o presente como companheira na jornada por um país e uma sociedade melhores. Não adianta bons livros sem bons leitores. E bons leitores surgem com bons livros. Temos, portanto, imensa responsabilidade. E muito trabalho pela frente.