Artigo: Onde estávamos na noite de terça-feira?

Eduardo Faria Silva*

Pare e volte no tempo. Estávamos comovidos com a queda do avião que conduzia os jornalistas e os jogadores da Chapecoense. Era um momento esportivo inédito para o time de Santa Catarina e o acidente acabou com o sonho. Jornais e canais de televisão apresentavam apenas notícias sobre o ocorrido e as vítimas. As mídias sociais trocavam inúmeras mensagens de espanto e solidariedade.
Pare e recorde a sensação. Os rostos conhecidos e as histórias públicas dos passageiros nos aproximavam de todos. O país do futebol estava de luto e o mundo chorava junto. Tínhamos a sensação de que tudo estava suspenso, algo como um acordo de cavalheiros. As divergências existem, mas se faz uma trégua para confortar os familiares e amigos no luto.
Pare, faça uma pergunta e veja a resposta. Todos estavam de luto? Simplesmente, não. Enquanto as energias da população brasileira estavam concentradas nas perdas ocorridas, o submundo do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto agia de forma acelerada. Algo como dar prosseguimento num lance em que os jogadores e o público param, exigindo fair play – isto é, um jogo justo e lealdade da outra parte.
Pare e veja a estratégia. O governo federal e a maioria dos parlamentares perceberam a comoção nacional com a tragédia e colocaram em regime de votação dois projetos de interesse nacional: combate à corrupção e limitação dos gastos com saúde e educação. Ambos projetos polêmicos, que tramitavam respectivamente na Câmara de Deputados e no Senado Federal, mereciam uma ampla discussão com a sociedade, pois seus impactos têm projeções para o presente e o futuro do país.
Pare e acompanhe o lance. A estratégia foi organizar toda votação durante o dia, enquanto a população e os veículos de comunicação estavam noticiando a tragédia do voo. Na madrugada, no momento que a população tentava dormir e os veículos de comunicação não tinham mais capacidade de noticiar com amplitude os debates no parlamento, os congressistas, sem respeitar nenhum acordo de cavalheiros, aprovaram os projetos que aniquilam com a possibilidade de combate à corrupção e congelam gastos com educação e saúde.
Pare e olhe o resultado. No projeto de lei de combate à corrupção, deixamos de aperfeiçoar pontos como a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos, as mudanças na prescrição de crimes, a facilitação do confisco de bens oriundos de corrupção e velocidade nas ações de improbidade administrativas. No projeto de emenda constitucional do teto de gastos, permitimos a limitação de recursos na saúde e na educação por duas décadas. Ambos direitos sociais garantidos na Constituição Federal são estratégicos para qualquer nação com elevado índice de desenvolvimento humano. O primeiro é a base de qualquer transformação social positiva. O segundo, justifica a existência do estado ao confortar aqueles que necessitam do sistema de saúde pública.
Pare e avance o cursor no tempo. As decisões de terça-feira, dia 29/11, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, representam um retrocesso produzido na calada da noite, que impacta negativamente todo o país.
Pare e perceba os efeitos. Estávamos na noite de terça-feira tendo um pesadelo que irá durar 20 anos.
*Eduardo Faria Silva, Doutor em Direito, professor de Direito Constitucional da Universidade Positivo, é coordenador da Pós-Graduação Direito Constitucional e Democracia da Universidade Positivo.
 
 
 

Share:

Latest posts

Multiracial medical workers in face masks recording vlog
Na luta contra fake news, profissionais de saúde combatem desinformação com conteúdo confiável
Cipel inaugura nova Linha Sincro e dobra sua capacidade produtiva
Valmet e Cipel realizam start-up da Linha SINCRO 4.5, que dobra capacidade produtiva da fabricante de tissue
Colégio Positivo
Colégio Positivo promove Abril Literário com programação gratuita no Parque Barigui

Sign up for our newsletter

Acompanhe nossas redes

related articles

Multiracial medical workers in face masks recording vlog
Na luta contra fake news, profissionais de saúde combatem desinformação com conteúdo confiável
Mais de 80% dos brasileiros já acreditaram em notícias falsas. Na área da saúde, informações incorretas...
Saiba mais >
Cipel inaugura nova Linha Sincro e dobra sua capacidade produtiva
Valmet e Cipel realizam start-up da Linha SINCRO 4.5, que dobra capacidade produtiva da fabricante de tissue
Planta industrial localizada em Santo Antônio de Pádua (RJ) inicia operações com novo maquinário de ponta,...
Saiba mais >
Colégio Positivo
Colégio Positivo promove Abril Literário com programação gratuita no Parque Barigui
Com a proposta de incentivar a leitura para além dos muros da escola e aproximá-la da comunidade, o Colégio...
Saiba mais >
Crédito: Joel Rocha
Líderes e entidades de Educação assinam nota técnica em defesa do Regime de Colaboração Intermunicipal no novo PNE
Especialistas, organizações educacionais e territórios colaborativos defendem que a cooperação entre...
Saiba mais >