Artigo: O patriotismo como símbolo de pertencimento

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Por Daniel Medeiros, doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor do Curso Positivo, em Curitiba

Michael Sandel, professor do curso de Direito em Harvard, discute a importância de o Estado criar obrigações aos cidadãos, de forma a fortalecer os laços de pertencimento com o espaço público, o ambiente no qual todos – ricos e pobres, brancos e negros, nacionais e imigrantes, jovens e velhos, homens e mulheres, aptos ou portadores de deficiências físicas ou mentais – convivem, mais ou menos, intensa ou sazonalmente. Sandel questiona duas características da legislação americana que, segundo ele, enfraquecem esse laço de pertencimento: o voto facultativo e o serviço militar não obrigatório.  Para Sandel, recuperando a ideia aristotélica de “bem”, a finalidade da ação virtuosa não é a maior satisfação ou simplesmente fazer o que “é certo”. É agir para o bem comum, o bem da polis, da comunidade compartilhada. Isto é, a pátria.  Daí o jurista e professor norte-americano criticar o esvaziamento das ações nas quais todos os cidadãos conviveriam e partilhariam um propósito comum: a proteção de seus locais de pertencimento.

No Brasil, a discussão em torno das chamadas “obrigações cívicas” ainda são fortemente marcadas pela presença recente do regime militar. Aliás, essa vontade de apagar o passado da presença dos militares no poder levou, logo após o início da redemocratização, ao fim das disciplinas de Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil e Estudos dos Problemas Brasileiros, além de esvaziar e depois praticamente extinguir o Projeto Rondon, que levava jovens dos grandes centros urbanos para conhecer e conviver com a realidade de outras regiões do país. Os currículos escolares foram revisados e os chamados “heróis da pátria” remanejados para o limbo, quando não “desconstruídos” pela nova linguagem no poder. Da mesma forma, as manifestações em relação aos símbolos da pátria – bandeira e hino – e suas festividades também caíram em desuso.
Certo ou errado, o resultado é que as novas gerações convivem hoje com um vácuo de referências simbólicas, na medida em que nada ocupou o lugar dos programas e atividades referentes ao congraçamento do espaço público. Recentemente, uma amiga que passou a morar em Londres e matriculou a filha na escola local, contou-me que em uma das primeiras atividades, a professora falou sobre os heróis ingleses e perguntou aos alunos migrantes quais os heróis de seus países. A menina de 13 anos ficou nervosa, porque não sabia o que responder. “Tiradentes” foi o que lhe ocorreu. Mas sem saber exatamente explicar por que ele foi um “herói”.
Discutir essa temática não significa, em absoluto, buscar uma volta ao passado, uma lamentação nostálgica a um período de repressão e autoritarismo que não fez nenhum bem aos cidadãos brasileiros. Significa buscar recuperar a discussão sobre quem somos como brasileiros, qual o passado comum que podemos compartilhar e chamar de “nosso”, quais as referências que nos permitem trilhar uma narrativa de pátria, de identidade, de compromisso, de defesa de valores que constituem o que chamamos de “direitos de todos”. Essa tarefa está em aberto, para além dos heróis fabricados ou imaginados. Quem sabe a filha de minha amiga pudesse dizer, diante da pergunta da professora, a lista de educadores, poetas, pesquisadores, líderes comunitários, empreendedores, democratas, trabalhadores que construíram esse país para além de seus próprios interesses, para além de seus próprios privilégios. Eu teria, na ponta da língua, dois nomes, meus heróis: Zilda Arns e Herbert de Souza.
 

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