Daniel Medeiros*
Desde quando os paulistas romperam a Mantiqueira e a serra do Espinhaço, nos fins do século XVII, mamelucos que mal falavam o português, com seus pés rachados e barbas hirsutas, abrindo picadas, derrubando a mata para plantar milho e criar porcos, matando muitos bugres e submetendo outros tantos ao trabalho servil, as Minas iniciaram sua história de devastação da natureza exuberante de rios e morros, florestas, animais e altivos índios. O caminho da destruição começa com a descoberta do ouro no ribeirão do Carmo, no rio Casca, no vale do rio das Velhas e no rio Tripuí – de onde surgiram Mariana, São João del-Rei, Sabará e a Vila Rica do Ouro Preto. Depois, adentrando-se no Mato Dentro, passando pela serra da Piedade, pelo cume de Itabira, até o Sêrro para, finalmente chegar aos diamantes de Tijuco.
No processo que se estende por quase um século, desvia-se a correnteza das águas, abandona-se uma área pela outra, deixando um mar de cascalho revirado. E os esbulhadores não se contentam com os leitos dos rios, abrindo clareiras nas matas ciliares, escavações profundas, chamadas de “catas”. Daí vem as “grupiaras”, mineração morro acima. E com elas, as queimadas que devastaram os mananciais e puseram em risco bichos e as madeiras de lei. A terra seca e sem proteção perde a fertilidade com as chuvas e racham, criando capoeiras e boqueirões. Muda a paisagem e assentam-se as cidades, com suas igrejinhas no alto do morro e suas casas com varandões e sobrados com porões onde porcos e escravos dividiam o espaço imundo.
A água tornava-se fundamental quando a exploração do ouro chega ao alto dos morros. Acumulada em grandes reservatórios, trazia a lama para o pé da montanha até os “mundéus”, reservatórios enormes nos quais a lama era decantada e separava-se, com a ajuda das bateias, o ouro tão procurado. Reservatórios gigantescos, lama morro abaixo, povoados se espalhando pelo entorno. Crônica de um futuro conhecido. O ouro trouxe os tropeiros do Sul e do Nordeste. O caminho novo que se abriu, em direção ao porto do Rio, levou ouro e trouxe escravos. O Reino, risonho, manda funcionários, soldados, padres. E farta-se com o quinto – toneladas!
Enquanto havia abundância, pagava-se sem muito reclamar. Com o declínio das minas, a Metrópole impõe restrições à manufatura – as primeiras metalurgias já se instalavam na região – e ameaça com cobranças à força dos impostos devidos. Era a derrama. O povo das Minas, crescido no isolamento das montanhas, com seu ar circunspecto e desconfiado, começa a discordar daquilo tudo. Os filhos dos mais abastados, estudados em Coimbra, trazem de lá ideias de igualdade e emancipação. Juntam-se os fazendeiros, altos funcionários, uns tantos idealistas (como o alferes conhecido pela alcunha de Tiradentes) pensam em romper com aquelas proibições e, principalmente, aquele arrocho tributário. O movimento fracassa e a grande mineração dá seus últimos suspiros pelos fins de XVIII. Mas Minas mantém sua vocação de extração de metais, reservatórios de lama e destruição de rios e matas. Há um ano, o desastre-crime de Mariana lembrou isso ao país e ao mundo.
* Daniel Medeiros é Doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor de História do Brasil no curso Positivo.
No processo que se estende por quase um século, desvia-se a correnteza das águas, abandona-se uma área pela outra, deixando um mar de cascalho revirado. E os esbulhadores não se contentam com os leitos dos rios, abrindo clareiras nas matas ciliares, escavações profundas, chamadas de “catas”. Daí vem as “grupiaras”, mineração morro acima. E com elas, as queimadas que devastaram os mananciais e puseram em risco bichos e as madeiras de lei. A terra seca e sem proteção perde a fertilidade com as chuvas e racham, criando capoeiras e boqueirões. Muda a paisagem e assentam-se as cidades, com suas igrejinhas no alto do morro e suas casas com varandões e sobrados com porões onde porcos e escravos dividiam o espaço imundo.
A água tornava-se fundamental quando a exploração do ouro chega ao alto dos morros. Acumulada em grandes reservatórios, trazia a lama para o pé da montanha até os “mundéus”, reservatórios enormes nos quais a lama era decantada e separava-se, com a ajuda das bateias, o ouro tão procurado. Reservatórios gigantescos, lama morro abaixo, povoados se espalhando pelo entorno. Crônica de um futuro conhecido. O ouro trouxe os tropeiros do Sul e do Nordeste. O caminho novo que se abriu, em direção ao porto do Rio, levou ouro e trouxe escravos. O Reino, risonho, manda funcionários, soldados, padres. E farta-se com o quinto – toneladas!
Enquanto havia abundância, pagava-se sem muito reclamar. Com o declínio das minas, a Metrópole impõe restrições à manufatura – as primeiras metalurgias já se instalavam na região – e ameaça com cobranças à força dos impostos devidos. Era a derrama. O povo das Minas, crescido no isolamento das montanhas, com seu ar circunspecto e desconfiado, começa a discordar daquilo tudo. Os filhos dos mais abastados, estudados em Coimbra, trazem de lá ideias de igualdade e emancipação. Juntam-se os fazendeiros, altos funcionários, uns tantos idealistas (como o alferes conhecido pela alcunha de Tiradentes) pensam em romper com aquelas proibições e, principalmente, aquele arrocho tributário. O movimento fracassa e a grande mineração dá seus últimos suspiros pelos fins de XVIII. Mas Minas mantém sua vocação de extração de metais, reservatórios de lama e destruição de rios e matas. Há um ano, o desastre-crime de Mariana lembrou isso ao país e ao mundo.
* Daniel Medeiros é Doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor de História do Brasil no curso Positivo.