Por Daniel Medeiros, doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo
Quem levantou a hipótese foi o emérito historiador Hélio Silva: não foi um golpe o que ocorreu em 1964, mas um contragolpe. Segundo esta versão, Jango, no dia primeiro de maio, imporia uma reforma constitucional, instalando no país o que os militares chamavam de “república sindicalista”. O comício da Central do Brasil, no dia 13 de março era um claro indício dessas intenções. O discurso na sede do automóvel Club, outra prova “irrefutável”. Os principais generais estavam de acordo: no dia 28, o marechal Denys reúne-se com o governador Magalhães Pinto (que depois tentou se vender como líder civil da “revolução”); pouco antes, no dia 20, o chefe do Estado Maior, Castelo Branco, faz circular um documento contendo severas críticas ao seu chefe, o presidente da República; No dia 31, o general Olímpio Mourão Filho precipita o movimento, em Juiz de Fora. Em São Paulo, supostamente após receber uma mala de dinheiro da Fiesp, o general Amaury Kruel apoia o movimento e sela o destino de João Goulart. A imprensa apoia, os governadores dos estados mais importantes, a classe média, os principais partidos políticos. No dia 4, em uma reunião tensa, os governadores “revolucionários” indicam Castelo Branco para a presidência interina. No dia 11, o general é eleito presidente pelo Congresso Nacional. No seu discurso, promete cumprir a Constituição e devolver o país à normalidade democrática. Antes, no dia 9, o “Comando Supremo da Revolução” impõe um Ato Institucional, dando ao futuro presidente seis meses de poderes extralegais para fazer uma “limpeza” no país. Até outubro, quase 4.500 cidadãos seriam atingidos por esse ato.
Em julho, a primeira reviravolta: emenda constitucional prorroga o mandato do presidente “interino” até março de 67. Pouco antes, em junho, usando a prerrogativa arbitrária do Ato Institucional, Castelo Branco manda cassar os mandatos de Juscelino e de mais 39 parlamentares. Em novembro, a UNE é extinta e os estudantes são proibidos de se manifestarem politicamente. O cerco vai se fechando: em outubro de 1965, o governo baixa um segundo Ato Institucional, dissolvendo os partidos existentes e transforma a eleição para presidente em indireta. Como se fosse pouco, o chamado AI-2 impede o Judiciário de analisar e julgar atos tomados pelo governo. E isto porque Castelo Branco prometera o retorno rápido da democracia…
Em fevereiro de 1966, outro Ato Institucional acaba com as eleições diretas para governador. Em outubro, Castelo Branco decreta o recesso do Congresso por um mês. Em dezembro, novo Ato Institucional (não perca as contas: é o quarto) impõe ao Congresso um projeto de uma nova Constituição. Os parlamentares deveriam “apreciar” e votar o texto em apenas um mês. O prazo era tão absurdo – considerando que incluía o natal e o fim do ano – que os parlamentares tiveram de, literalmente, parar o relógio, às 23;54 do dia 21 de janeiro (prazo final para a “promulgação) para dar tempo para as últimas sugestões e votação do texto final. De nada adiantou. Castelo Branco ignorou todas as sugestões de emenda e aprovou o projeto original, que entrou em vigor no dia 15 de março de 1967, mesmo dia da posse do general Costa e Silva. A “Revolução” que teria sido feita para impedir que o presidente Jango alterasse a Constituição de 1946, impunha uma Constituição que mudava até o nome do país e legalizava o arbítrio, a censura e a repressão. Não é coincidência que, um dia após a “promulgação”, é criado o Conselho de Segurança Nacional. Mas o fundo do poço ainda não havia chegado.